"Sobre a Velhice "- Cicero . SUBLINHADOS

 

Marco Túlio Cícero foi um filósofo romano autor de um extenso material escrito há mais de 2.000 anos, caprichosamente preservado pelo destino. 
Também advogado, político e escritor, influenciou  a cultura ocidental pela qualidade de sua obra, que se tornou um material fundamental para entender a história de Roma no século que antecedeu o ano zero do calendário cristão.


Escrito por volta de 44 a.C. DeSenestud é uma obra intemporal  como intemporal é o seu tema : a arte de envelhecer. Apesar dos avanços da ciência e da tecnologia a diminuição das nossas faculdades no crepúsculo da vida  continua a inquietar-nos como no tempo de Cícero.

in contracapa "Sobre a Velhice" Cicero - edições 70



"São dois os factos da vida sobre os quais o homem durante mais tempo , desde que começa a pensar por sim mesmo   e antes de o experimentar , possui uma noção puramente abstrata : a velhice e sua própria morte . (..... ) entre os sessenta e os sessenta e cinco anos é a linha de demarcação da velhice que se aplica à fauna humana tanto na Antiguidade Clássica quanto nos nossos dias, e que tem como fundamento um critério meramente biológico. (......) foi muitíssimo menor a percentagem de homens nascidos na Antiguidade que chegaram a velhos comparada com a que resulta dos números atuais de idosos . (....) velhice e velhos de que sobretudo se ocupam os autores da Antiguidade clássica reportam-se a seres que gozavam de uma sanidade fisico-mental e de um estatuto económico a todos os títulos invejáveis e que constituíam uma porção não despicienda do total dos membros da faixa etária a que pertenciam , e isto pela singela razão  de que  não seria   por então demasiado crescido o número de cidadãos que lograria chegar a ela . "

in introdução por António Guimarães Pinto
                                
  Sublinhados 

(....) não pode parecer mal o que traz consigo a necessidade da natureza . A velhice é um dos dos efeitos desta necessidade , efeito que todos desejam que lhes chegue e que em chegando (tanta é a inconstância e avessidade do pouco siso) todos acusam. Dizem que lhes chegou dissimulada e mais cedo do que julgavam . Mas , primeiramente , quem os mandou julgar mal ? 
 
(....) A culpa toda está nos costumes antecedentes e não na idade . O homem moderado , o de fácil contentar , o de macia índole passa toleravelmente a velhice ; ao descontentadiço , ao insofrido, todas as idades são molestas ( ... .) As boas artes e a prática das virtudes são as melhores armas contra os incómodos da velhice.

(....) Górgias Leontino viveu cento e sete anos estudando e trabalhando até ao fim . A este Górgias , perguntaram porque queria viver tanto, e ele respondeu : " não tenho razão queixa da velhice " resposta egrégia e  própria de um homem douto . Os néscios imputam os seus próprios vícios à velhice.

Ponderando bem , acho que por quatro razões se representa miserável a velhice : a saber, porque obsta aos exercícios da vida ativa , porque traz consigo enfermidades do corpo, porque priva quasi totalmente de deleitações e enfim porque dista pouco da morte

Não é por forças do corpo e pelo seu desembaraço e velocidade que se obram as grandes coisas ; é por bom conselho , autoridade , parecer discreto, que não só não costumam faltar, mas antes se aumentam na velhice.

A temeridade é , com efeito , própria da idade florente ; a prudência , da velhice.

Nunca ouvi que velho algum se esquecesse do lugar onde enterrou tesoiro. Lembram-se de tudo o que tratam; não lhes esquecem os prazos de promessas e fianças , que fazem ou se lhe s fazem , nem as pessoas que lhes devem ou a quem eles devem.

Conservam-se , não há duvida , os engenhos na velhice , como dure o estudo e aplicação ; não só nos homens proeminentes de altos empregos , mas nos que passam uma vida particular e quieta. 
 A cada um , as forças que lhe são próprias , mas obrando , quando convém , segundo as suas forças .(.....) na velhice sobressai , não sei como , o sonoro da voz.
E que coisa mais doce do que uma velhice a que acode  , para aprender , a mocidade estudiosa ?

Uma adolescência falta de temperança [e] luxuriosa o que entrega à velhice é um corpo exausto de suco e de nervos . 

Nem a adolescência deve querer voltar à puerícia  , nem a idade avançada á adolescência . Tem a idade um espaço certo, tem a . natureza a sua marcha simples , e cada parte da idade , a sua razão própria . É fraca a meninice , a mocidade impetuosa  , o homem feito tem gravidade  , tudo por disposição da natureza ; do mesmo modo e pela mesma disposição  , tem a velhice madureza , que chega no seu tempo .

Não tem a velhice forças ? E também não se pedem á velhice . As leis e institutos  dispensam os velhos de tudo o que requer forças , de sorte que não só se nos não pede mais do que podemos , mas nem ainda quanto podemos 

Tenha-se cuidado <com> conservar a saúde ; faça-se moderado exercício ; trate-se , na comida  e bebida  , de refazer  , não de oprimir as forças . E não se auxilie só o corpo , mas o entendimento também ; e este muito mais  , porque se apaga com a velhice  , como se apaga a luz se lhe não aplicam óleo .

Assim como a petulância e luxuria mais são dos mancebos que dos velhos , e , contudo , não são de todos os mancebos  , mas dos de índole menos boa  , assim essa estultícia senil , a que chamam tresvario  , é dos velhos levianos , não de todos.

Ápio , cego e velho , regia quatro robustos filhos  , cinco filhas , tamanha casa , tantas clientelas . Mas tinha o ânimo sempre puxado , como o arco em postura de fazer tiro , e , nunca o deixava afrouxar ou sucumbir à velhice . mantinha sobre todos os seus não direi só autoridade  , direi império ; e por este modo , temido dos servos  , reverenciado dos filhos  , benquisto de todos  , conservava na sua casa os costumes dos maiores  , a disciplina do bom tempo antigo. 

Assim como aprovo  o mancebo em que vejo um pouco de senil  , assim aprovo o velho em que resta alguma coisa de mancebo : dada esta mistura o corpo poderá vir a caducar  , o ânimo nunca 

Quem em trabalhos e estudos se ocupa sempre não dá noticia da velhice  , que vem a passos subtis e contados , e a vida , envelhecendo assim pouco a pouco e insensivelmente , não  acaba com fracasso improviso , extingue-se pela larga duração. 

O dom mais precioso que a natureza , ou que  Deus , fez   ao homem foi  o do entendimento ; não há , porém , contra este divino dom e presente mais denodado inimigo que a deleitação dos sentidos .

Assim são os deleites ; a adolescência logra-os mais de perto, a velhice logra também , mas de mais longe e, todavia , quanto basta.

(....) a velhice a que dou louvor é a que assenta em fundamento lançado noutras idades : porque sem ele , miserável é a velhice , como eu disse em outro tempo com grande aceitação de todos , que  se vê obrigada a provar que se lhe deve respeito. Não são as cãs e as rugas que apanham de súbito autoridade : esta é o fruto da honesta vida anterior , que vem a se lograr na velhice.

São ,porém , os velhos  difíceis de contentar , receosos de tudo , iracundos , menos tratáveis e até direi avaros. Estes vícios não  são da velhice , são dos costumes : e se não tem toda , tem alguma desculpa . Supõem que os reputam em pouco , que os desprezam , que os escarnecem: além de que em corpo frágil , todo o impulso mais rude faz impressão mais desagradável. Porém a verdade é que estes defeitos não tocam a todos os velhos , porque alguns os emendam e mitigam por bons hábitos e modos .(......)
 Que maior disparate [ tanta avareza ] quanto menos resta de caminho?

Tudo o que tem fim não me parece diuturno.
(.......)As horas , os dias , os meses , os anos desaparecem ; o que passou já não volta , o que está por vir não se sabe. Contente-se cada um com o tempo de vida que lhe é dado.

Tudo o que é segundo a natureza é bom : e que coisa mais conforme a natureza de que morrerem os velhos ?

As mais idades têm um termo certo , a velhice não.

È certo o morrer , é incerto se neste mesmo dia; e como pode ter ânimo quieto quem teme a morte iminente a todas as horas ?

Que descansos tema vida ? ou antes , que fadigas não tem ? (.....) .
Não quero eu fazer lamentos da vida : se bem que muitos e doutos e por muitas vezes os têm feito . Não me pesa de ter vivido, porque vivi de modo que reputo que não nasci debalde ; porém largo a vida não como quem deixa o domicilio próprio , mas como a quem deixa um mero hospício. A natureza não nos deus na terra morada fixa , deu-nos só um albergue de passagem.

E sempre a morte , ainda que na verdade não sejamos imortais , é a seu tempo  de desejar ao homem , porque a natureza marcou á vida humana , como a tudo , limites , e a velhice é o ultimo ato deste drama , cuja continuação além do termo natural traria não só saciedade , mas mui cansada fadiga .


                           
 


 

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